A professora Eudes Lima recebeu os alunos venezuelanos em primeiro dia de aulas em Igarassu, em Pernambuco (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)
Em Igarassu, no Grande Recife, 14 crianças venezuelanas tiveram, nesta segunda-feira (6), seu primeiro dia de aula desde que passaram a viver no município, em julho.
Com idades entre 4 e 12 anos, os pequenos vão estudar, juntos, em uma turma especial até o fim de 2018, tempo em que vão ganhar familiaridade com o idioma e em que serão identificadas as séries adequadas para cada um deles.
Há um mês em Pernambuco, completado na sexta-feira (3), eles fazem parte do grupo de 69 venezuelanos trazidos para o estado em uma missão humanitária, ainda em desenvolvimento, que tem como objetivo melhorar a recepção dos refugiados no Brasil.
No primeiro dia na Escola João de Queiroz Galvão, no Centro de Igarassu, as famílias foram recebidas pela coordenação e os alunos foram recepcionadas com uma homenagem dos colegas brasileiros, que cantaram músicas religiosas.
Além disso, eles agora contam com o auxílio de uma professora que morou 12 anos na Espanha e que vai introduzi-los no português e participar da equipe técnica que vai identificar as séries para onde os meninos serão encaminhados no próximo ano. Eudes Lima, que é formada em geografia, já fazia parte do quadro de professores da rede municipal há dois anos.
“Assim que soube da chegada desse grupo, me coloquei à disposição para ajudar”, explicou. “Vai ser uma missão um pouco intensa, porque é uma responsabilidade enorme ajudar a construir a base de uma criança, não é uma tarefa fácil”, comentou.
O primeiro contato com os novos alunos foi realizado na sexta-feira, quando os kits com o fardamento e o material escolar foram entregues às famílias. De acordo com Eudes, outro desafio que a tarefa lhe impõe é estimular que as crianças falem em português e interajam com os outros alunos da escola. “Eles já se esforçam bastante. Hoje uma das alunas já me chamou de tia”, relatou.
Preparação
Segundo Andreika Asseker, secretária de Educação de Igarassu, o município precisou se preparar em tempo recorde para receber os alunos. “Nós não fomos avisados previamente sobre a chegada do grupo”, explicou.
Nesse intervalo de um mês, foi preciso preparar uma sala de aula em uma escola próxima às Aldeias Infantis, ONG que abrigou as famílias no estado; encontrar uma professora que pudesse participar dessa etapa inicial; além de informar ao governo de Pernambuco sobre a situação de outros jovens que estavam em idade escolar, mas que deveriam encaminhados para instituições da rede estadual.
Segundo ela, a secretaria já fez uma investigação sobre a situação escolar desses alunos. “Alguns deles estão estudando pela primeira vez, outros já estavam estudando quando as famílias atravessaram a fronteira e se estabeleceram em Roraima, e alguns chegaram a estudar na Venezuela, mas estavam fora da escola algum tempo antes de vir para o Brasil”, comentou.
Andreika Asseker também declarou que é possível que alguns dos alunos, ainda neste ano, sejam encaminhados para salas de aula do ensino regular.
“Se a gente identificar uma adaptação rápida e familiaridade com idioma, e também identificar o grau de escolaridade dessa criança, vamos colocá-lo na sala adequada o quanto antes”, diz Andreika.
Sobre os outros jovens com idade escolar que ainda não estão matriculados nas escolas da rede estadual, a Secretaria de Educação de Pernambuco informou, em nota, que “está ciente da situação desses adolescentes e garante vagas nas Escola Estadual Santos Cosme e Damião, EREM João Pessoa Guerra e Escola Estadual Desembargador Carlos Xavier Paes Barreto, todas localizadas no município de Igarassu.”
O texto ainda diz que uma equipe da Gerência Regional de Educação (GRE) Metropolitana Norte visitou a aldeia na manhã desta segunda para iniciar o processo de alocação desses jovens nas unidades de ensino.
Primeiro mês
Nos primeiros 30 dias desde a chegada, as famílias já começam a reorganizar suas vidas no estado. De acordo com Alberes Mendonça Barbosa, gestor das Aldeias Infantis em Pernambuco, ao todo, três pessoas já conseguiram empregos com carteira assinada.
“Alguns deles já estão fazendo trabalhos informais, mas essa não é uma prioridade do programa”, comentou. Além disso, a equipe da organização já observa que as famílias, aos poucos, começam a estabelecer vínculos com a comunidade. “Alguns deles já têm amigos na vizinhança e já frequentam a casa de outras pessoas”, explicou.
No momento, a ONG está selecionando um professor de português para que adultos e crianças possam criar familiaridade com o idioma.
Recomeço
A engenheira mecânica Sarai Alvarez, de 25 anos, mora na Aldeia com os três filhos e o ex-marido. Mãe de uma criança de seis meses, o bebê foi o principal motivo para a mudança dela para o Brasil.
“Ele teve pneumonia e a gente não conseguia atendimento médico e nem condições de fazer o tratamento adequado. Ele chegou a ter uma parada cardiorrespiratória e, por conta, disso, decidimos vir para o país”, contou.
De acordo com a equipe das Aldeias, Sarai foi procurada para fazer a revalidação do diploma no país para, assim, ela ter condições de encontrar um emprego na área de formação. “Mas ela nos relatou que o que ela pretende mesmo é trabalhar com confeitaria, então estamos adquirindo o material necessário para que ela possa começar a trabalhar”, declarou Alberes.
“Meus filhos são muito pequenos [além do bebê de seis meses, Sarai ainda tem um filho de 3 anos e outro de 7] e, trabalhando como confeiteira, posso cuidar da casa e deles ao mesmo tempo em que tenho uma fonte de renda”, comentou a engenheira Sarai Alvarez.
Outra venezuelana que procura uma oportunidade é a cozinheira Evelin Cabrera, de 37 anos. Com 14 pessoas da família dela vivendo na comunidade, eles precisam encontrar uma forma de se tornarem independentes para se instalarem bem no estado, já que o contrato para a permanência do grupo nas Aldeias Infantis tem, a princípio, seis meses de duração.
Ela explica que, em relação à vida que levavam na Venezuela, os dias agora são melhores. “Na situação em que estávamos, nem sempre tínhamos comida e emprego. Os meus familiares que ainda estão lá também querem vir para o país”, relatou ela, que estava bastante emocionada com a recepção dos alunos na escola.
Antes de vir para Pernambuco, Evelin já estava há um ano e meio em Roraima. Além dos familiares dela que estão no estado, a cozinheira ainda tem parentes vivendo no Rio de Janeiro, Mato Grosso e São Paulo.
Entenda o caso
Em julho, 114 imigrantes venezuelanos embarcaram em Boa Vista (RR) em uma operação humanitária para refugiados. O grupo foi dividido em comunidades em Pernambuco e na Paraíba, em um acordo dos estados com o governo federal para distribuir por outras cidades brasileiras os imigrantes que entraram no país pela fronteira com Roraima.
Ao todo, 69 dos 114 venezuelanos seguiram para Igarassu, no Grande Recife, onde passam a morar. São 39 adultos e 30 crianças e adolescentes.
Antes dessa transferência, outros estados já receberam imigrantes venezuelanos: Mato Grosso, Amazonas e São Paulo. A operação que os trouxe para Pernambuco foi montada pelo governo federal, com apoio das Forças Armadas, da agência da ONU para refugiados, de governos estaduais e outras forças de segurança.
Fonte: G1 PE