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sábado, 17 de julho de 2021

Adotar, um ato de amor: casais compartilham experiências sobre processo, modificado por pandemia



“Adotar é um ato de amor”. É com essa mensagem que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) abre a seção destinada a informar sobre os procedimentos da adoção em seu site na internet. Segundo o órgão, atualmente, 86 crianças e adolescentes estão à espera de uma família por adoção no Estado, enquanto há 954 pretendentes disponíveis a adotar. Já considerando todo o Brasil, o número sobe para 4.345 crianças e adolescentes no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e para 32.397 futuros pais ou mães.

Ao ver esses dados é natural questionar o porquê de a conta não fechar. De acordo com o juiz Ricardo Leitão, titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Paulista, apesar de haver cerca de 11 vezes mais crianças do que pretendentes em Pernambuco e quase 7,5 vezes mais no País, algumas características de perfil desejadas pelas novas famílias dificultam que a fila seja equilibrada. “Tem muita gente que ainda tem a cultura do biologismo, para imitar a natureza, fazer de conta que essa criança nasceu biologicamente dessa família. E aí vem um desejo de ter um bebezinho para reproduzir todo o ciclo da infância da criança, vem o desejo de crianças parecidas com os pais”, disse.

De acordo com o magistrado, os fatores idade, estado de saúde e a presença de irmãos estão entre os que mais afetam o processo de adoção. “O pretendente entra no cadastro e ele define o perfil, se quer uma criança uma só, se quer grupo de irmãos, define idade, define a localização da criança, se ele tem interesse de conhecer crianças até fora do seu estado. Define situação de saúde da criança, se ele aceita crianças com doenças tratáveis, com doenças não tratáveis, com deficiência. Define etnia, sexo, enfim, perfil”, explicou.

Há quatro anos na jurisdição paulistana, e com quase sete anos em Varas de Infância e Juventude, Ricardo Leitão conhece bem as delicadezas do sistema. “Há situações que tiram o sono da gente, porque a gente se envolve com a história das crianças. É uma pressão  muito grande. Em Vara de Infância, toda solução é muito artesanal, todos os problemas são urgentes e é tudo muito dramático”, comentou. Mas o final feliz das histórias que culminam em adoção, ressalta, compensa o trabalho em prol de uma causa tão significativa: “Tem muita história bonita, é o que refresca a gente, porque tem tanta barbaridade que a gente vê no dia a dia, os absurdos, a carga é muito grande. Quando é um dia que só tem pauta de adoção nas audiências, eu brinco que é o dia do amor”. 

Adoção em tempos de pandemia

Qualquer pessoa que deseja adotar no Brasil, antes mesmo de entrar com o pedido de adoção, passa por um processo denominado habilitação, em que participa de formações conduzidas por uma equipe interprofissional, composta, ao menos, por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos. Antes da pandemia causada pela Covid-19, os encontros eram realizados presencialmente nas instalações dos fóruns que abrigam as Varas da Infância, ocorrendo, em média, uma vez por semestre. Agora, como explica o juiz Ricardo Leitão, os procedimentos acontecem de forma remota: “Não houve mudança na lei devido à pandemia, mas houve algumas adaptações nas nossas rotinas administrativa, nas nossas práticas junto às crianças e aos pretendentes que desejam adotar para fazer frente às necessidades de distanciamento social”.

Os pretendentes já habilitados à adoção e inscritos no SNA também passaram a ter o primeiro contato com as crianças por plataformas on-lines. “Antes do processo de adoção, é comum, corriqueiro, que as famílias conheçam previamente as crianças no abrigo. É o que a gente chama de aproximação afetiva. Elas têm contato para ver se há um encantamento recíproco tanto dos adultos quanto das crianças, que são as grandes protagonistas. Esse processo nós estamos fazendo agora on-line, por videoconferência, e aí é bom para quebrar o gelo antes do encontro presencial, que pode ocorrer em média em duas semanas”.  

O casal Vanessa e Sérgio Santos, ambos de 28 anos e respectivamente professora e técnico em enfermagem, estavam na fila de adoção há três anos e viram a família aumentar em abril, com a chegada de Ruan, de 8 anos, e Rodrigo, de 5, irmãos biológicos que estavam há aproximadamente quatro anos no sistema de acolhimento. “Quando se fala em adoção, o sentido que se tem é que a gente que está adotando, mas é a criança que nos adota também. E o que determina realmente a constituição de uma família é o amor, é o afeto, e nem sempre a biologia vai garantir isso”.

Compartilhando experiências

Para compartilhar suas experiências durante o processo de adoção, Vanessa criou uma página no Instagram (@familiaadocaoamor), que também deu origem a um grupo de mensagens, reunindo pessoas que já adotaram ou que estão na fila de espera. “O que se tem muito com relação à maternidade é o sustentamento da romantização. É claro que durante todo o meu processo de adoção eu tive muitas alegrias, mas há momentos muito difíceis também. O que dá segurança para validar o amor é a construção desse sentimento, desse amor que é construído dia após dia”.

O jornalista Daniel Medeiros, 28, e a produtora de eventos Melissa Medeiros, 27, estão casados há cinco anos e deram entrada no processo de habilitação em novembro do ano passado. O pedido foi aprovado no último mês de fevereiro e eles, agora, aguardam as novas etapas da fila da adoção. “A gente começou a amadurecer a ideia no ano passado, pouco tempo depois que começou a pandemia. Já era um desejo nosso, mas não tínhamos decidido quando isso ia acontecer. E aí como a gente estava mais em casa, começamos a conversar mais, ler sobre o tema, assistir a lives e também conhecemos algumas famílias que foram formadas pela doação. Até que a gente realmente bateu o martelo e tomou a decisão de que estava na hora”, comentou Melissa.

Controlando a ansiedade

Como destaca o jornalista, o casal busca controlar a ansiedade ao imaginar como será a chegada do primeiro filho. “A gente tenta não idealizar tanto porque a gente sabe que cada história é uma história. Então, eu acredito que vai ser um momento muito feliz, que é muito aguardado, um momento emocionante, mas também de aproximação. Porque a gente acredita que esse amor, essa relação de parentalidade vai sendo construída aos poucos, assim como também imagino que seja um pouco com a filiação biológica, você vai se descobrindo pai ou mãe enquanto vai cuidando daquela criança”. 

A então estudante de pedagogia Gleiz Patrícia estava no oitavo período da faculdade, no fim de 2019, poucos meses antes de a pandemia ser decretada, quando ela e o marido, Rafael Araújo, técnico em mecânica, conheceram os três filhos: Edinho, então com 14 anos recém-completados, André, com 8, e Andrey, com 7. “Nós geramos os nossos filhos em nosso coração, o nosso encontro aconteceu através de um belo sorriso, o encontro de mãe, pai e filho. Eu falo que nosso encontro foi algo sobrenatural, foi algo determinado por Deus”, comentou.

A história de Patrícia, hoje com 33 anos, e de Rafael, 37, com os filhos, está entre os casos mais emocionantes lembrados pelo juiz Ricardo Leitão. As crianças chegaram ao abrigo ao lado de outros dois irmãos, mais novos, que também foram adotados por uma segunda família. Ambas moram na Região Metropolitana do Recife, o que possibilita, como orienta a legislação, a manutenção do vínculo. “Nós fizemos o que nós chamamos de busca ativa, que funciona em parceria com ONGs, que são organizações da sociedade civil que atuam como grupos de apoio e que promovem a cultura da adoção”, recordou o magistrado.

Como reforça Leitão, adoções de grupos de irmãos, especialmente em idades mais avançadas, costumam ser mais difíceis, daí, a busca ativa por uma família. A equipe do Judiciário, então, enviou uma fotografia do irmão mais velho, Edinho, e um texto escrito por ele para um grupo de mensagens. “Quando eu abri o grupo, tinha a foto do meu mais velho, eu olhei aquele sorriso, mostrei ao meu esposo e pensei ‘esse menino é meu filho’”, lembrou Patrícia. Ao chegarem ao abrigo, conheceram também André e Andrey e decidiram que os três fariam parte da nova família: “Foi um negócio tão surpresa que, assim, naquele momento, parecia que a gente se conhecia a vida toda. É algo meio estranho de falar, é de Deus”, comentou o pai, Rafael Araújo.

Entrega responsável

A cidade do Recife é pioneira na ação que envolve a entrega responsável de uma criança recém-nascida à adoção por sua mãe biológica. O Programa Mãe Legal foi criado em 2009, alguns meses antes da legislação que passou a prever a obrigatoriedade desse sistema em todo o País a partir de procedimento incluído no Estatuto da Criança e do Adolescente.  

Segundo a juíza Hélia Viegas, coordenadora do programa na 2ª Vara da Infância e Juventude do Recife, a entrega voluntária do bebê pode ser definida pela mulher ainda gestante, ou pouco tempo após ter dado à luz. “Às vezes é uma gestação que não tem o apoio do pai da criança, uma gravidez que não é desejada naquele momento, a mãe não tem uma renda própria ou a família não apoia. O programa evita que essa criança seja entregue a pessoas que não estão preparadas para criar um filho e evita que essa mulher venha a cometer algo ilícito com aquele filho, seja um abandono, muitas vezes até o infanticídio, ou o risco de entregar a criança a uma pessoa que pode utilizá-la, inclusive, em tráfico infantil ou venda de órgãos. Então, isso você vai proteger, vai fazer com que a criança seja recolocada e inserida em uma família adotiva que previamente foi avaliada pelo Judiciário”, explicou.

De acordo com a psicóloga Ana Cláudia Souza, coordenadora da equipe técnica do programa, os números de abandonos após a instauração da política diminuiu visivelmente: “Nós vamos completar 12 anos em outubro e a gente vê que drasticamente diminuiu o número de abandonos, que a gente chama de abandono selvagem, em que bebês são deixados em lugares a ermo e que podem fazer com que não sejam achados rapidamente e venham a óbito, venham a falecer”.

Fonte: Folha de Pernambuco

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