Foto: Antonio Cunha/CB/D.A Press
Costumamos ouvir que uma dieta balanceada deve conter a ingestão de proteínas — incluindo as presentes nas carnes vermelhas. Porém, discussões e pesquisas mostram que esse nutriente pode, também, trazer malefícios à saúde. Um estudo conduzido pela Universidade de Tufts e pelo Instituto Lerner, ambos nos Estados Unidos, mostra que o consumo da carne vermelha e carne processada pode aumentar em 22% o risco de ocorrência de doenças cardiovasculares em idosos.
Ao longo dos anos, cientistas investigaram a relação entre doenças cardíacas e gordura saturada, colesterol dietético, sódio, nitritos e até cozimento em alta temperatura, mas as evidências que apoiam muitos desses mecanismos não são robustas. O novo estudo, publicado na revista Arteriosclerosis, Thrombosis, and Vascular Biology, sugere que os culpados subjacentes podem incluir metabólitos criados pelas bactérias intestinais quando comemos carne.
Com quase 4 mil participantes acima de 65 anos, a pesquisa mostra que há um risco 22% maior para cada 1,1 porção de proteína ingerida por dia — e cerca de 10% desse risco elevado é explicado pelo aumento dos níveis de três metabólitos produzidos por bactérias intestinais a partir de nutrientes abundantes nas carnes vermelha e processada: o N-óxido de trimetilamina (TMAO), a gama-butirobetaína e a crotonobetaína. A vulnerabilidade não foi constatada com o consumo de aves, ovos ou peixes, e os voluntários foram acompanhados por, em média, 12 anos e meio.
Outros fatores, como o aumento do nível de açúcar no sangue e a ativação de inflamações no corpo a partir da carne, se mostram mais nocivos que o colesterol ou a pressão arterial. "Curiosamente, identificamos três caminhos principais que ajudam a explicar as ligações entre carne vermelha e processada e doenças cardiovasculares — metabólitos relacionados ao microbioma, níveis de glicose no sangue e inflamação geral —, e cada um deles parecia mais importante do que os caminhos relacionados ao colesterol no sangue ou a pressão arterial", analisa, em nota, o coautor sênior, Dariush Mozaffarian.
Segundo a equipe de cientistas, esse é o primeiro estudo a investigar as interrelações entre alimentos de origem animal e o risco de doenças cardiovasculares. Na avaliação de Meng Wang, coprimeira autora do artigo e pós-doutoranda na Friedman School, ligada à Universidade de Tufts, a pesquisa responde a perguntas de longa data sobre a ligação entre a proteína e esse tipo de complicação. "As interações entre a carne vermelha, o nosso microbioma intestinal e os metabólitos bioativos que eles geram parecem ser um caminho importante para o risco, o que cria um alvo para possíveis intervenções para reduzir doenças cardíacas", avalia.
Melhores escolhas
Para os autores, compreender os impactos do consumo de carne é particularmente importante em idosos porque, apesar de serem mais suscetíveis à ocorrência de complicações cardíacas, essas pessoas podem se beneficiar da ingestão de proteínas — o nutriente compensa a perda de massa e força muscular relacionadas à idade. Os resultados, avaliam, indicam que melhores escolhas alimentares podem funcionar como um fator protetivo para o coração. "O estudo também defende os esforços dietéticos como meio de reduzir esse risco, uma vez que as intervenções dietéticas podem reduzir significativamente o TMAO", afirma Stanley L. Haze, chefe da seção de cardiologia preventiva e reabilitação na Cleveland Clinic e coprimeiro autor.
Ahmed Hasan, do Instituto Nacional de Saúde, cujos dados baseiam a análise, pontua que é preciso aprofundar o estudo sobre o efeito da carne vermelha na saúde cardíaca de idosos, mas os primeiros resultados indicam que, ao escolher alimentos de origem animal, pode ser menos importante o foco nas gorduras totais e saturadas, por exemplo, do que entender os efeitos sobre a saúde de outros componentes do alimento. "Embora sejam necessárias mais pesquisas, os relatórios atuais fornecem um novo alvo potencial para prevenir ou tratar doenças cardíacas em um subgrupo de pessoas que consome quantidades excessivas de carne vermelha", diz.
Apesar da descoberta, eliminar a carne do cardápio não é a salvação para evitar doenças cardiovasculares, esse é apenas um caminho para a prevenção em determinados grupos. Hasan ressalta que, independentemente da idade, para um estilo de vida que seja saudável para o coração, é preciso a adoção de uma dieta rica em vegetais, frutas e grãos integrais, além de controlar o estresse, ter qualidade de sono e praticar exercícios físicos.
Risco maior de morte
Parte do grupo de pesquisadores que relaciona a ingestão de carne vermelha e processada à saúde cardiovascular publicou, em maio, na revista Jama Network Open, um estudo que associa o TMAO e outros metabólitos ao risco de morte em pessoas mais velhas. A vulnerabilidade foi de 20% a 30% maior entre idosos com níveis mais altos desses compostos no plasma e em seus biomarcadores do que os com taxas mais baixas.
Os resultados foram obtidos na análise de dados de mais de 5 mil pessoas. Para os autores, as informações podem ajudar na criação de estratégias para reverter os níveis do metabólito. "Agora que sabemos mais sobre a gravidade dos riscos associados ao TMAO, podemos explorar abordagens eficazes para alterar esses níveis no corpo", afirmou, à época, em nota, a coprimeira autora do artigo, Amanda Fretts, do Departamento de Epidemiologia da Universidade de Washington.
Remédios são ligados a infartos
Pense na seguinte hipótese: você tem uma doença cardiovascular e se trata com remédios específicos, como betabloqueadores e antiplaquetários. Mas, como em um efeito rebote, o que deveria impedir uma piora clínica causa ainda mais problemas de saúde. Essa possibilidade foi levantada em uma pesquisa que identificou uma relação entre o uso desses dois medicamentos e o aumento de ataques cardíacos em períodos de calor extremo.
O estudo utilizou como base o registro de 2.494 casos de pessoas que sofreram ataque cardíaco não fatal em Augsburg, na Alemanha, durante os meses de clima quente (de maio a setembro), entre 2001 e 2014. Os autores analisaram a utilização das duas classes medicamentosas antes do infarto, comparando os dados da exposição ao calor no dia do problema com os dos mesmos dias da semana no mesmo mês.
A análise não estabeleceu uma relação de causa e efeito. Mostrou que o uso de medicamentos antiplaquetários foi associado a um aumento de 63% no risco de ataques cardíacos, e o de betabloqueadores, de 65%. No caso de ingestão dos dois remédios, a taxa subiu para 75%. "Os pacientes que tomam esses dois medicamentos têm maior risco. Durante as ondas de calor, eles devem realmente tomar precauções", enfatiza, em nota, Kai Chen, professor-assistente do Departamento de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública de Yale e primeiro autor do estudo, publicado na revista Nature Cardiovascular Research.
Os cientistas consideram que o risco de sofrer um infarto pode ter aumentado em decorrência do aumento da temperatura e também pela ocorrência de doença cardíaca subjacente. Há pistas, porém, da força da primeira hipótese. Uma delas é que, na maioria das vezes, outros remédios para o coração não mostraram uma conexão entre ataques cardíacos relacionados e calor.
A única exceção foram as estatinas, Quando tomadas por pessoas mais jovens, elas foram associadas a um risco três vezes maior de ataque cardíaco em dias quentes. "Nós levantamos a hipótese de que alguns dos medicamentos podem dificultar a regulação da temperatura corporal", enfatiza Chen. A equipe planeja tentar desembaraçar essas relações em novos estudos.
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