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segunda-feira, 29 de abril de 2024

Presídio de Igarassu tem superlotação de 442%, aponta Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

 


O Presídio de Igarassu, na Região Metropolitana do Recife, está com uma superlotação de 442,41%. É o que aponta uma comitiva do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), que após visita realizada na unidade prisional no dia 17 de abril, identificou a presença de 5.424 detentos, quando a unidade deveria comportar 1.226, quantidade confirmada pela Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP), responsável pelos presídios em Pernambuco.

O Mecanismo apresentou os resultados da visita em audiência pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), solicitada pela presidente da Comissão de Direitos Humanos, a deputada estadual Dani Portela (PSOL-PE). Entre as denúncias, além da superlotação, detentos recém-chegados dormem na área destinada ao banho de sol, e para se instalar em melhores condições, precisam pagar. Falta de servidores, abuso de autoridade, e péssimas condições da estrutura também foram destacados.

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, regido pela Lei nº 12.847, sancionada no dia 2 de agosto de 2013. O órgão é composto por 11 peritos, escolhidos mediante notório saber jurídico e atuação na área de Direitos Humanos. Eles são vinculados aos órgãos do Poder Executivo Federal e têm a prerrogativa de livre acesso às instalações de privação de liberdade, como centros de detenção, estabelecimento penal, hospital psiquiátrico, abrigo de pessoa idosa, instituição socioeducativa ou centro militar de detenção disciplinar. 

De 15 a 19 de abril deste ano, cinco unidades prisionais foram visitadas em Pernambuco pelo Mecanismo, com a participação de entes convidados dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de representantes da Sociedade Civil. As vistorias aconteceram, respectivamente, na Colônia Penal Feminina de Buíque (Agreste), na Penitenciária Juiz Plácido de Souza (Agreste), no Presídio de Igarassu (Região Metropolitana do Recife), no Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano (Recife), e no Centro de Internação Provisória FUNASE (Recife).

Um relatório deve ser divulgado pelo Mecanismo com recomendações às autoridades competentes sobre os espaços visitados.

“Novo Curado Piorado”

O Presídio de Igarassu recebe detentos de todo o estado de Pernambuco, tanto condenados quanto em cumprimento de prisão preventiva. Segundo o MNPCT, dentre todos os que foram visitados, é o que apresenta a pior situação.

Para a deputada estadual Dani Portela (PSOL-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alepe e participante da equipe que visitou o Presídio de Igarassu, as informações colhidas na vistoria permitem uma comparação entre a unidade e o Complexo Prisional do Curado, no Recife, que já atingiu a marca de 6,5 mil detentos: cerca de 1.300 a  mais do que Igarassu tem hoje.

“O Subprocurador-Geral da República, Carlos Frederico dos Santos, veio acompanhar essa missão, e ele disse: ‘olha, Igarassu é o novo Curado piorado’. Quando o Curado teve a recomendação dos órgãos internacionais, teve que parar de receber pessoas, essa população excedente, o que chamam de bonde, chegou pesada em Igarassu. A exemplo do que acontecia no Curado, há uma superlotação, uma divisão do presídio em bairros.

Se você pode pagar, você fica preso em condições bem diferenciadas. Então, vai ter um bairro nobre e uma favela. Quartos individuais, com televisão, cerâmica, espelho; e os quartos coletivos, em que as camas são quadrados como se fossem aquelas gavetas do cemitério. O que é feito para uma pessoa, às vezes duas, tem três pessoas amontoadas. A maior parte dos presos nem cabem nas celas, eles precisam dormir nos pátios. Uma parte desses pátios, descoberta, é onde tomam banho de sol. Então estão sujeitos a sol e chuva, sem colchão e sem lençol”, afirmou a deputada. 

O sistema carcerário em Pernambuco é alvo de denúncias de ordem internacional. Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil  a vedar novos ingressos no Complexo Prisional do Curado, no Recife, que à época, continha 6,5 mil homens cumprindo pena ou aguardando julgamento nas três unidades que compõem a estrutura. A capacidade, no entanto, era para 1,8 mil detentos. 

Em 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decretou que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) transferisse 70% das pessoas privadas de liberdade instaladas no Complexo. Até agosto daquele ano, 988 presos tinham sido retirados. 

Maria Clara D’ávila, advogada do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) e participante convidada da comitiva do MNPCT, também acredita que os problemas encontrados no Complexo Prisional do Curado foram apenas transferidos para o Presídio de Igarassu.

“De fato, o Presídio de Igarassu está caminhando para se tornar o novo Complexo do Curado. Uma superlotação muito acima da capacidade, uma falta de gestão mesmo da Administração Penitenciária, sem qualquer controle sobre o que se passa dentro da unidade. Várias situações de violações de direitos foram constatadas, muitas pessoas precisando de atendimento jurídico, sem acesso à água, a água é fornecida apenas duas vezes por dia, fica aberto durante cinco minutos e o resto do dia as pessoas precisam se virar com o que não tem para as condições mínimas de vida. 

Uma população prisional em grande parte composta também por pessoas que ainda estão aguardando o processo, ou seja, pessoas presas provisoriamente, sem sentença. É um completo absurdo em nível de violações de direitos! Igarassu está se tornando o novo Complexo do Curado e isso está sendo feito aos olhos do poder público, que segue anunciando a construção de novas vagas sem sequer dar atenção para os problemas que estão acontecendo nas unidades”, reiterou a advogada.

Sobre a alegação de que o Presídio de Igarassu teria recebido muitos dos presos transferidos do Complexo Prisional do Curado após a determinação do CNJ, a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP) confirmou à reportagem da CBN Recife que, desde 2022, foram apenas 50. 

Quanto à informação de que os detentos dormiriam no pátio do banho de sol devido à falta de espaço e teriam que pagar para ocuparem espaços mais dignos, a SEAP nega.

Alimentação

A comitiva do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura também ouviu reclamações dos detentos sobre a alimentação. Além da qualidade, a quantidade do alimento servido foi destacada como péssima. Houve, inclusive, relatos de alimentação estragada, crua e servida com larvas. 

Por outro lado, o Mecanismo observou que cada pavilhão tem a sua lanchonete abastecida de comida e de produtos de limpeza. 

Sobre esses apontamentos, a SEAP afirmou que, além de manter uma equipe de nutrição nas unidades, a Secretaria mantém um contrato com o CEASA Pernambuco para abastecimento dos presídios.

Castigos

A comitiva do MNPCT também fez uma denúncia grave sobre a prática constante de castigos no Presídio de Igarassu. Inclusive, com a chegada dos vistoriadores, haveria ocorrido a retirada em massa de pessoas privadas de liberdade do “Pavilhão do Castigo”, como destaca a perita Camila Antero. 

“Com a nossa entrada, houve uma remoção em massa das pessoas que estavam no Pavilhão do Castigo. Tinha aproximadamente 50 pessoas no Pavilhão do Castigo, que é o pavilhão do isolamento. Pessoas que eventualmente cometeram uma infração interna vão para lá cumprir esse castigo. E pouco antes de a gente entrar, essas pessoas foram tiradas em massa. Só ficaram duas pessoas no castigo, e nós fizemos questão de conversar com cada uma dessas pessoas para saber o que havia acontecido. 

Descobrimos que elas estavam de castigo irregular, ou seja, não tinha nenhum procedimento administrativo aberto com relação ao isolamento dessas pessoas, o que é defeso (não é permitido) pela Administração Penitenciária. E esses castigos eram decretados pelos representantes de pavilhão, que são outras pessoas privadas de liberdade. Então é um castigo que nem sequer é decretado pela Administração Penitenciária, mas por essas pessoas que estão fazendo esse poder de polícia irregular, ilegal e que vulnera a vida das pessoas”, concluiu.

Segundo a deputada e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alepe, Dani Portela (PSOL-PE), para que um detento seja colocado em isolamento, é necessário que haja a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

“Se uma pessoa, um preso ou uma presa, dentro de uma unidade prisional, tem um comportamento que não é considerado aceitável, tem que abrir um PAD para averiguar o que houve, e aquele preso recebe uma sanção interna.

O que nós vimos foi cerca de 50 pessoas dentro da cela chamada “Castigo”. São lugares restritos para o castigo, sem nenhum processo administrativo de averiguação, sem os critérios daquela punição. E essas celas são um amontoado de gente reclamando que chegam a ficar dois dias sem receber água, sem acesso à comida, pessoas feridas. Foi encontrado um jovem com as costelas quebradas, sem atendimento médico. É um depósito de pessoas, um depósito de seres humanos”, afirmou.

O MNPCT também apontou que, devido à falta de agentes penais, a Ala LGBTQIA+ está sem acesso À direitos, como o banho de sol. De acordo com a SEAP, “todos os direitos garantidos à população LGBT são assegurados”. A secretaria ainda ressaltou que o pavilhão LGBTQIA+ do Presídio de Igarassu é referência em recolhimento.

Sobre os castigos, a SEAP informou que “não tolera quaisquer tipos de maus-tratos à pessoa privada de liberdade, e destaca que todas as denúncias que chegam à secretaria são rigorosamente apuradas e tomadas as devidas providências”.

Sistema Prisional em Pernambuco

A unidade prisional de Igarassu, que recebe pessoas condenadas, mas também em prisão preventiva, foi inaugurada em 1887, tendo sido uma das primeiras do estado. Durante as décadas de 1920 e 1930, o presídio se destacou em todo o Nordeste por ser a detenção de políticos, e desde o período, os relatos de condições precárias da instalação já existiam.

No total, Pernambuco dispõe de 23 unidades prisionais, e a população carcerária no estado é de 29.800 pessoas, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP). Essa pasta foi criada pelo Governo de Pernambuco em 10 de janeiro de 2024, e hoje está sob o comando do secretário Paulo Paes. Anteriormente, tudo que envolvia privação de liberdade era vinculado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, o que foi alterado com a chegada do programa Juntos Pela Segurança, lançado pela governadora Raquel Lyra em 2023.

No Brasil, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, 851.423 pessoas cumprem pena, figurando entre os três países no mundo com a maior população penal. Pernambuco, portanto, corresponde a 3,5% do total de aprisionados no país. 

A SEAP destaca que em Pernambuco, diversas medidas vêm sendo tomadas para evitar a superlotação, como a abertura de novas 2.950 vagas (para detentos) até o final deste ano, e a nomeação de novos 419 policiais penais, o que contou com investimento de R$ 105 milhões até o fim de 2023. Não foram informadas, no entanto, medidas voltadas especificamente para o Presídio de Igarassu.

O que diz o Ministério Público Federal

Procurado pela reportagem da CBN Recife, o Ministério Público Federal informou que o MPF, como integrante do Conselho Penitenciário do Estado de Pernambuco (Copen), realiza, desde março, uma série de inspeções em presídios da Região Metropolitana do Recife. O Presídio de Igarassu será uma das unidades prisionais inspecionadas, em data ainda a ser definida.

O que diz o Ministério Público de Pernambuco

Já o Ministério Público de Pernambuco informou que a 21ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, com atribuições na Execução Penal, realiza inspeções periódicas no Presídio de Igarassu e acompanha os casos de violações de direitos que são relatados. Com relação à superlotação da unidade, o MPPE vem cobrando providências por parte da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização de Pernambuco.

Fonte : CBN

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