Foto: Emerson Rocha / g1 Petrolina
Nove filhos, 16 netos, 15 bisnetos, um tataraneto, 93 anos e uma força de viver que faz inveja. Viúva desde fevereiro, dona Maria Edelzuita de Souza viu que a vida ainda tinha muito a oferecer e que dava tempo de realizar o sonho que sempre alimentou. Moradora de Petrolina, no Sertão de Pernambuco, a idosa quase não dormiu da terça-feira (26) para a quarta-feira (27). A ansiedade que roubou o sono de dona Delza, como é conhecida, tem uma boa justificativa. Pela primeira vez, ela sairia de casa em direção a escola, para fazer o que sempre quis: estudar.
Dona Edelzuita está matriculada no Módulo 1 [Correspondente aos dois primeiros anos do ensino fundamental] da Educação de Jovens e Adultos (EJA), na Escola Estadual João Barracão. No primeiro dia de aula, a nova aluna chegou acompanhada de um dos filhos e de uma neta, invertendo os papéis de décadas atrás.
“É um prazer trazer a minha mãe. Quando a gente chegava [na escola] eu me lembrei de quando ela levava os nove filhos. Sempre no primeiro dia, ela nos levava para atravessar a estrada. A gente tomava o cafezinho, a tapioca com café, ou escaldado de farinha, na época. Todos iam para escola. Ela era muito rigorosa”, conta o filho, Tadeu Souza.
O rigor de dona Edelzuita com os estudos dos filhos contrasta com aquilo que ela recebeu na infância. A idosa conta que o pai nunca permitiu que ela e as irmãs estudassem. “Meu pai era meio cangueiro [bruto], não queria que as filhas aprendessem para não escrever para os namorados”, diz, sorrindo.
“Ele dizia que mulher que aprendia, fugia de casa. Duas coisas que ele não queria: que a gente aprendesse a ler e nem casasse com soldado”.
A vontade de aprender foi maior do que a visão do pai. O ABC, Edelzuita diz que aprendeu com a mãe. “Minha mãe sabia ler um pouquinho e me ensinou em casa”, recorda a estudante, destacando que sabia que era preciso aprender mais.
“Depois que eu aprendi o ABC, eu era inteligente, eu saia com meu livro. Comprei minha cartilha e pedia ao povo que sabia ler: ‘me ensine essa lição’. A gente mesmo por si aprende. Pode crer”.
Com o passar do tempo, Edelzuita casou com José Rufino, companheiro de vida, com quem conviveu por mais de seis décadas, até o último dia 21 de fevereiro, quando o marido faleceu aos 93 anos.
No primeiro ano de casamento, veio o primeiro filho, mudando as prioridades de dona Delza. “Não estudei, para meus filhos estudar”.
Para garantir a educação e o sustento dos filhos, Edelzuita e José Rufino trabalharam muito. Ela se orgulha do esforço que fez. “Não era fácil, mas todo dia ia pra escola. Não tinha riqueza, não tinha nada, mas nós éramos felizes. Uma família feliz”.
Além de realizar o sonho de aprender, a ida para escola serve como terapia para dona Edelzuita, após a morte do marido. “Meu marido era muito bom, 60 anos nós vivemos. 60 anos são muitos dias para a gente conversar e depois ficar só, não é?”.
“Antes, eu sempre dizia que ia estudar no João Barracão. Aí quando foi agora que meu marido morreu, eu fiquei tão debilitada. Eu via na televisão falando e disse: ‘vou fazer minha matrícula’. Aí eu fui e fiz. Depois que fiz a matrícula, fiquei esperando o dia de ir para escola".
"Hoje estou feliz. Eu acho muito bonito a pessoa que saber ler bem, que conhece os lugares porque sabe ler”, conta a matriarca.
Exemplo para os colegas de turma, professores e funcionários da escola, dona Edelzuita saiu do primeiro dia de aula exalando felicidade. “Eu estou muito feliz e sei que lá onde ele [o marido] estiver, está muito feliz, me vendo aqui”, diz.
Ganhando ainda mais intimidade com as letras, dona Edelzuita planeja colocar no papel tudo aquilo que viveu e pretende viver.
“Vou escrever o livro da minha história, é o que eu quero fazer. Vou estudar, para melhorar a letra, fazer uma letrinha bonitinha e escrever o meu livro. Se eu não morrer, vou ficar velhinha estudando”.
Fonte: G1 PE
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