Sobrevoo de áreas afetadas pelas chuvas - Foto: Clauber Caetano/PR
As mudanças climáticas causadas pelas ações humanas contribuíram para intensificar a força das chuvas que afetaram alguns estados do Nordeste e especialmente Pernambuco entre o fim de maio e o começo de junho e deixaram 130 mortos no Estado, além de dezenas de milhares de desabrigados e desalojados. E, caso o aquecimento global não estivesse em curso, sem o atual aumento de 1,2º C em relação aos níveis pré-industriais, os temporais teriam sido um quinto menos intensos.
As conclusões são de estudo do World Weather Attribution, divulgado nessa terça-feira (5). A pesquisa reuniu cientistas do Brasil, Reino Unido, Holanda, França e Estados Unidos. A entidade investiga a relação das mudanças climáticas com os eventos extremos observados no planeta, como o caso das chuvas torrenciais que devastaram Pernambuco.
As análises que ratificaram a influência da atividade humana no aumento da intensidade da chuva no Estado partiram de modelos climáticos simuladores do evento meteorológico em dois cenários: sem a emissão de gases do efeito estufa e com o aumento da temperatura do planeta em cerca de 1,2º C - próximo, inclusive, ao limiar de 1,5º C apontado como ponto irreversível do aquecimento global.
O estudo selecionou 75 estações pluviométricas da região com dados consistentes desde a década de 1970. As análises incluíram a quantidade de chuva que caiu em intervalos de sete e 15 dias. “Concluímos que as mudanças climáticas causadas pelo homem são, pelo menos em parte, responsáveis pelos aumentos observados na probabilidade e intensidade de eventos de chuva intensa notados em maio de 2022”, diz trecho da conclusão do estudo.
Os resultados ainda são consistentes com as projeções futuras de chuvas fortes no Nordeste e, por tabela, sugerem que as tendências continuarão a aumentar caso as concentrações de gases do efeito estufa continuem em progressão. “Devido às mudanças climáticas, outros fatores, como o aumento do nível do mar e as marés mais altas, podem aumentar a vulnerabilidade às chuvas fortes, levando a mais inundações urbanas no Recife, por exemplo”, cita outra parte da conclusão do estudo.
A população ficou mais exposta aos efeitos da chuva por questões como aumento na urbanização não planejada e informal em áreas baixas propensas a inundações e encostas íngremes, reverbera a pesquisa. “A natureza extrema das inundações fez com que a exposição fosse o principal determinante do impacto, embora os impactos e a recuperação de longo prazo sejam provavelmente mediados por fatores socioeconômicos, demográficos e de governança. Embora tenham sido fornecidas previsões e alertas, não está claro até que ponto essas ações antecipadas poderiam ter reduzido os impactos”.
“As mudanças estão muito correlacionadas à questão do aumento de temperatura. A situação que a gente observou já reporta para uma possibilidade de um aumento da intensidade dos eventos chuvosos na região. O estudo verificou que o aumento da temperatura no Atlântico Sul levou a essa intensidade maior do sistema, o Distúrbio Ondulatório de Leste. Isso, logicamente, está correlacionado a essa possibilidade de aumento de que esses eventos passem a ter uma intensidade maior, uma recorrência maior”, repercutiu o professor e pesquisador do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco, Osvaldo Girão.
Como sugestão para o futuro, o estudo indica que é necessário rever e fortalecer a ligação entre avisos meteorológicos e ações antecipadas. Alertas do tipo costumam ser emitidos com antecedência pela Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) e pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Em março, por exemplo, a Apac chegou a emitir um informe meteorológico anunciando a probabilidade de chuvas acima da média histórica para o trimestre seguinte - abril, maio e junho.
“Essa mudança que a gente está observando gradativamente, esse aumento da intensidade de chuvas fatalmente vai trazer muitos dissabores à população e aos governos, à medida em que se fazem necessárias medidas emergenciais, mas também de médio e longo prazo para mitigar esses efeitos”, completa Girão.
Em maio, por exemplo, só o Recife, entre os dias 25 e 31, contabilizou 513,4 mm de chuva - quase 75% de toda a chuva do mês, segundo a normal climatológica histórica. O pico ocorreu em 28 de maio, quando choveu 190 mm - pouco mais de 27,6% do mês. Em Olinda, junho registrou 508,9 mm, 132% acima da média de 384,7 mm. Já em Jaboatão dos Guararapes, a chuva foi de 490,6 mm, 139% além da média de 352,5 mm. No Cabo de Santo Agostinho, a precipitação acumulada foi de 561,3 mm, 179% acima da média de 314 mm. Em Primavera, na Mata Sul, choveu mais do que o dobro da média: 482,2 mm ante 237,7 do histórico. Já em São Benedito do Sul, também na Mata Sul do Estado, a precipitação foi de 288,8 mm contra 120,7 mm da média.
No mês de junho, o acumulado de chuvas apresentou recuo, mas ainda assim, ficou acima da média histórica. No Recife, o índice ficou na casa dos 531,4 mm, 115% acima da média de 389,6 mm. Desde a última sexta-feira (1º), fortes chuvas voltaram a atingir Pernambuco, especialmente no Agreste e na Zona da Mata Sul. Mais uma vez, os temporais foram provocados pelo DOL, sistema, inclusive, que é comum para esta época do ano no Estado, mas que foi intensificado.
Além dos efeitos das mudanças climáticas, o aquecimento do Atlântico Sul, com as águas até 3º C acima do normal, e a ação do La Niña no Pacífico Equatorial contribuíram para a intensificação das Ondas de Leste, que são uma perturbação no campo de vento e pressão que atua na faixa tropical do globo terrestre, em área de influência dos ventos alísios.
O professor elenca que medidas estruturais são fundamentais no processo de prevenção dos efeitos das chuvas fortes, especialmente em áreas de encostas e em risco de inundações. “São ações emergenciais, principalmente para aquelas pessoas que estão em áreas que são de alto risco. Podem ser feitas ações mais rápidas e, a médio e longo prazo, ações que venham realmente minimizar. São ações de estado, que um governo só não realiza, são necessários três ou quatro mandatos para que essas ações possam ter a eficácia necessária”, acrescenta Osvaldo Girão. Ele cita o Morro da Conceição, no Recife, e morros do Rio de Janeiro como exemplos que podem ser seguidos.
“Faz-se necessário o preparo do poder público acerca de como lidar com esse tipo de situação que pode ser agora uma tendência e uma recorrência no período que vai de março até agosto, justamente o período chuvoso da Região Metropolitana e litoral oriental nordestino”, completa o professor.
Fonte: Folha de Pernambuco
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