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quarta-feira, 22 de abril de 2020

Consumo de bebidas alcoólicas aumenta fragilidade em meio à pandemia do coronavírus


Ficar em casa, sem ter contatos com familiares e amigos, sem ir ao trabalho ou a shows e eventos e sem saber quando tudo isso vai passar gera ansiedade, solidão, falta de perspectiva e medo.

Estes são sentimentos tidos como gatilhos para o aumento do consumo de bebidas alcoólicas, segundo alertam especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo.

Não só a quantidade mas também a frequência do consumo devem ser observadas para evitar exageros que possam fragilizar o sistema imunológico, um dos principais riscos à saúde em meio à pandemia do novo coronavírus.

Na semana passada, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomendou que os governos limitem a venda de bebidas durante a quarentena. Em artigo publicado no site da entidade, o álcool, o tabaco e outras drogas são chamados de estratégias inúteis para o enfrentamento do isolamento.

"O álcool tem um efeito temporário e depois o estresse aumenta e é preciso beber novamente", afirma Ricardo Abrantes do Amaral, médico psiquiatra e professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.

Amaral, que é coordenador do programa de prevenção de álcool, tabaco e outras drogas do Hospital das Clínicas, além de médico do Hospital Sírio Libanês, aponta ainda que o alcoolismo prejudica diretamente a qualidade do sono, o que pode levar a quadros mais graves, em caso de infecção pelo coronavírus.

A médio prazo, o organismo sente outros efeitos, sobretudo o fígado. "O álcool desidrata o corpo porque o organismo precisa de grande quantidade de água para metabolizá-lo, além de sobrecarregar o fígado, tudo de que não precisamos nesse momento", explica Marcella Garcez, nutróloga e diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).

De acordo com a médica, a desidratação favorece a queda da pressão arterial, ameaçando vários órgãos. Por isso, segundo a OMS, não há uma quantidade de álcool que possa ser considerada sem risco.

Como o consumo de bebidas faz parte do hábito de muitas pessoas, associado a momentos de confraternização e relaxamento, especialistas indicam o que consideram um consumo de baixo risco.

Para as mulheres e pessoas com mais de 65 anos não é recomendado consumir mais do que três doses em um único dia e não ultrapassar sete doses na semana.

Uma dose é o equivalente, por exemplo, a uma lata de cerveja, ou uma taça de vinho de 150 ml, ou uma dose de destilado de 45 ml, como vodca, cachaça e tequila.

Para homens, o limite é de até quatro doses por dia, e eles não devem ultrapassar 14 doses na semana.

"Então, se uma pessoa beber todos os dias, certamente ela vai ultrapassar esses limites", resume Erica Siu, biomédica e especialista em dependência química, coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).

Segundo a médica, ainda não há estudos com dados estatísticos que atestem o aumento do consumo de bebidas alcoólicas neste período de quarentena. Mas ela tem acompanhado alguns grupos e observa uma mudança de comportamento.

"Neste período de quarentena, as mulheres têm tido rotinas mais exaustivas. Além do expediente de home office, algumas têm filhos, às vezes bebês, que precisam de mais atenção, e ainda cuidam da casa. No fim do dia, para relaxar, elas tomam uma taça de vinho ou uma cerveja como se fosse uma recompensa", diz.

Nestes casos, a orientação é observar se o consumo tem sido maior do que o hábito normal que o indivíduo tinha antes da quarentena.

Outros grupos requerem uma atenção especial. São aqueles do qual fazem parte pessoas que estavam em tratamento por causa do consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Neste momento, a sobrecarga emocional gerada pela pandemia pode provocar recaídas.

Para evitar que o isolamento social possa também afastar as pessoas dos centros de apoio, a Irmandade dos Alcoólicos Anônimos tem organizado reuniões online, informa Camila Ribeiro de Sene, presidente do A.A.

"Nós já tínhamos uma prática muito simples, pequena, de reuniões a distância. Elas aconteciam há algum tempo, mas não tinham muita adesão em função das reuniões terem uma característica particular, do acolhimento, das boas-vindas, do convívio, além do sentimento de pertencimento a um grupo", explica.

A procura por reuniões virtuais, no entanto, mudou desde que a quarentena foi decretada. "A gente tem observado até a adesão de novos pessoas participando dos grupos", diz Sene. "Uma das pessoas que foram falar em uma dessas reuniões foi um senhor de 78 anos que está conseguindo se inserir nesse mundo tecnológico", comenta.

A presidente do A.A alerta que o isolamento social, o medo e as incertezas são fatores que fragilizam as pessoas, principalmente aquelas com transtornos mentais.

Nem sempre, no entanto, é fácil reconhecer que se está diante de uma situação em que se requer ajuda, ela diz. "Por isso nós temos um questionário, com 12 perguntas sobre o dia a dia. Se uma pessoa responder 'sim' para no mínimo quatro, ela tem uma sugestão de possa estar com um problema", afirma.

Familiares e amigos também podem ajudar neste momento, sobretudo buscando orientações para quem esteja com problemas com o álcool. No site do A.A. há informações sobre como participar das reuniões online e também o questionário citado pela presidente da irmandade.

Cabe aos familiares, sobretudo aos pais, observar se jovens e crianças não estão fazendo uso de bebidas alcoólicas ou sendo expostas a conteúdos que possam induzir ao consumo.

Além de recomendar que os governos limitem as vendas neste período, a OMS pede que as regulações já existentes, como idade mínima e proibição da publicidade, sejam reforçadas.

Na última semana, o Conar, órgão de regulamentação publicitária, abriu uma representação contra o cantor Gusttavo Lima e a Ambev por possíveis irregularidades em relação ao consumo de bebidas alcoólicas nas lives do artista nas últimas semanas.

O órgão diz que, apesar do formato inovador dos shows online, deve-se ter o cuidado para que o consumo de bebidas não seja difundido para o público de crianças e adolescentes como algo normal.

"Quando uma população mais jovem vê um artista beber excessivamente, pode ser que acredite que isso é normal, é esperado. Isso passa a ser nocivo para esse jovem, que ainda não sabe reconhecer seus limites e vê o artista como um exemplo", alerta a coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, Erica Siu.

"O alerta que a gente gostaria de deixar é que as pessoas monitorem o quanto elas estão consumindo", finaliza.

Fonte: Folha de Pernambuco.

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